- Seg, 21 Out 2013 18:58:00 -0200
Pesquisa revela o cotidiano da infância de crianças negras no pós-abolição dos escravos
As crianças negras e pobres, principalmente, foram e continuam sendo invisíveis e emudecidas no Brasil. Esta é uma das conclusões de um trabalho baseado em imagense fotografias da criança e de sua infância no século XIX e início do XX, período marcado pela abolição de escravidão negra na sociedade brasileira e a passagem do regime monárquico para a República.
Coordenada pela professora Anete Abramowicz, da Universidade Federal de São Carlose bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, a Pesquisa Representações da Criança e da Infância na iconografia brasileira dos anos 1880-1940 teve o objetivo de retratar comoas crianças foram registradas neste período e reconhecer a fonte iconográfica como um documento legítimo para a construção da história da criança.Para a pesquisadora, a sociedade brasileira é "adultocêntrica e não há espaço social para as crianças cujas falas não são consideradas como legítimas na ordem discursiva hegemônica". "Uma das conclusões que chegamos é sobre a invisibilidade das crianças neste período e encontramos também crianças negras em retratos que contemplam cenas da vida cotidiana sem alusão a escravidão e que de certa forma ¿faz fugir' uma determinada iconografia dominante neste período, marcada pelo pitoresco e exótico da escravidão e pela invisibilidade das crianças na vida social", afirma a professora Anete Abramowicz.
Na pesquisa, foram utilizados imagens e fotos dos acervos escolares e de museus históricos localizados em São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio de Janeiro, Paris e Portugal. "Não há no Brasil e também internacionalmente, um trabalho nesta clivagem: crianças e negras representadas. Foi um trabalho que continua até hoje, pois as imagens são bem raras", ressalta a pesquisadora.
Fonte: Fotógrafo desconhecido. Fazenda do Pinhal. São Carlos
Foto evidencia que há uma menina negra, provavelmente filha de escravizados da fazenda, com vestimentas claramente distintas das mulheres do barco. A menina está com os pés descalços denotando uma marca da escravidão e da pobreza. O outro momento desta imagem refere-se às letras encontradas acima de cada mulher retratada. A única que não possuía uma letra acima de sua imagem é a menina. Este fato mostra que ela não foi identificada por quem olhou a foto. Esta foto explicita, de certa forma, esta menina não é visível da mesma maneira que as mulheres e também não está oculta (texto da pesquisadora)
Confira a entrevista da pesquisadora
Popciência - Quais os motivos a levaram a estudar a representação da criança eda infância brasileira por meio da iconografia?
Em 1960, o historiador Phillipe Ariès escreveu um livro que foi traduzido para o Brasil posteriormente, com o nome História Social da Criança e da Família, e que se tornou uma espécie de marco zero de uma concepção social da criança e da infância. Nesta obra, ele constrói um conceito denominado "sentimento da infância", que significa o nascimento da particularidade da criança em relação ao adulto, e um sentimento moderno em relação à criança. Este conceito, mesmo tendo recebido inúmeras críticas, pretendeu configurar a história social da criança e da infância, de maneira inédita na historiografia. A metodologia utilizada por Ariès foi a iconografia. Ele mostrou quando e de que maneira as crianças, em especial as crianças filhos dos nobres e as das classes burguesas, aparecem representadas nos quadros dos pintores. Novamente, há muitas críticas metodológicas também a este trabalho. De toda a maneira, resolvemos tomar a iconografia como uma metodologia válida muito eficaz e fomos buscar, a partir de um recorte teórico central raça, imagens de crianças negras no período proposto. Não há no Brasil e também internacionalmente, um trabalho nesta clivagem: crianças e negras representadas. Foi um trabalho que continua até hoje, pois as imagens são bem raras.
Popciência - Por que foi escolhido o recorte nos anos 1880 a 1940 para pesquisa?
Ao propormos um trabalho iconográfico da criança e de sua infância no Século XIX e início do XX, pretendíamos, por um lado, deixar um registro de crianças que raramente foram retratadas especialmente neste período. Por outro lado, reconhecer a fonte iconográfica como um documento legítimo na invenção e contribuição para a construção da história da criança nesse período. As crianças ocupam um lugar aparentemente periférico na história em geral e isso se reflete na dificuldade em encontrar imagens delas e sobre elas. Ao mesmo tempo em que não são elas que escrevem sua própria história e nem são elas que registram suas imagens, as crianças têm sua história contada e retratada por outros. Num primeiro momento da historiografia da escravidão brasileira, as interpretações economicistas obscureceram o conhecimento mais apurado das relações entre os próprios escravizados, assim como destes com os libertos e os brancos pobres. Salvo raríssimas exceções, conforme Jovino (2010), não houve silêncio nem invisibilidade maior do que aquela que incidiu sobre as mulheres e as crianças escravizadas. Corrobora isso um dos trechos do pioneiro trabalho de Mattoso (MATTOSO, Katia Queirós. O filho da escrava. Em torno da Lei do Ventre Livre. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 37- 55, mar./ago. 1988 p. 38), ao comentar a dificuldade do trabalho com as fontes (no caso inventários post mortem), que não deixam transparecer os aspectos da vida cotidiana, alegando haver um anonimato redutor na escravidão: "o que se pode dizer então das crianças escravas que são duplamente mudas, e duplamente escravas?" Na realidade, quisemos retratar vidas infames que, como diz Walter Benjamin, vidas que não deixam rastros. Esta é na nossa visão sobre o que tem de mais importante nas pesquisas nas áreas das ciências humanas: captar vidas e pontos de vistas que escapam de uma certa historiografia, no sentido de contar a historia da perspectiva dos invisibilizados, dos infames, daqueles cujas vozes não ressoam.
Popciência - Quais foram os acervos iconográficos pesquisados?Museu e biblioteca da Fazenda do Pinhal (MFP), no município de São Carlos/SP; Instituto Moreira Salles (IMS) e Museu Paulista (MP); no município de São Paulo; Museu Histórico do Município de Dourados/MS(MHMD) e Centro de Documentação Regional (CDR) localizado na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); Biblioteca Pública do Estado da Bahia; Arquivo Público da Bahia (APB); Museu Regional de Vitória da Conquista (MRVC), órgão suplementar da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e no acervo particular do Sr. Dílson Alves dos Santos em Vitória da Conquista. Em Paris, a Biblioteca Richelieu-Louvois, e, em Portugal, o Museu da Imagem de Braga.
Fonte: Militão Augusto de Azevedo, acervo do Museu Paulista,
Universidade de São Paulo.
Fonte: Militão Augusto de Azevedo, acervo do Museu Paulista -Universidade de São Paulo
Saiba mais:
As imagens desta pesquisa podem ser acessadas em: www.criancasinfancias.ufscar.br
ABRAMOWICZ, A.; SILVEIRA, Debora de Barros; Jovino, Ione ; Simião, Lucélio Ferreira. Imagens de crianças e infâncias: a criança na iconografia brasileira dos séculos XIX e XX - doi: 10.5007/2175-795X.2011v29n1p263. Perspectiva, v. 29, p. 263-293, 2011.
ABRAMOWICZ, A.; RODRIGUES, T. C.; JOVINO, I. S. ; OLIVEIRA, F. DE. Representations of children and childhood in Brazilian Iconography. In: 21st annual conference EECERA, 2011, Genebra. Education from birth: Research, Practices and Educational Policy. Genebra: European Early Childhood Education Research Association, 2011. v. 1. p. 1-405.
ABRAMOWICZ, A.; RODRIGUES, T. C.. Imagens de crianças e infâncias: a criança da iconografia brasileira do séculos XIX e XX:. In: LASA Rethinking Inequalities, 2009, Rio de Janeiro. LASA Rethinking Inequalities, 2009. v. 1. p. 1-15.
Ione da Silva Jovino. Crianças Negras em Imagens do Século XIX. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos, Orientador: Anete Abramowicz.
Equipe Popularização da Ciência
Navegue pelo mapa do Portal
- Geral
- Acesso à Informação
- Institucional
- Organograma
- Competências
- Base Jurídica
- Conselho Deliberativo
- Agenda de autoridades
- Diretoria Executiva
- Comitês de Assessoramento
- Comissão de Integridade
- Quem é quem
- Propriedade Intelectual
- Normas
- Comissão de Ética Pública
- Gestão de Documentos
- História
- Servidores
- Estatísticas e Indicadores
- Horário de atendimento
- Organograma
- Bolsas e Auxílios
- Programas
- Prêmios
- Popularização da Ciência
- Comunicação
- Parcerias
- Estudantes
- Pesquisadores
- Universidades
- Empresas