- Ter, 26 Nov 2013 14:59:00 -0200
Pesquisadora detalha ambiente e cotidiano das pescadoras brasileiras
Rose Mary Gerber comprovou em sua pesquisa, realizada através do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Brasil Plural (INCT IBP), apoiado pelo CNPq, que existem mulheres atuando diretamente nas atividades da pesca no país. Ligada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGAS/UFSC), ela vivenciou plenamente o cotidiano das pescadoras brasileiras no litoral catarinense.
Embarcada, trabalhou em barcos de quatro a nove metros de comprimento, de quatro a dezesseis horas por dia, dependendo do tipo de pescaria. Entre outras tarefas, limpou, eviscerou e comercializou peixes e frutos do mar, que anteriormente havia auxiliado a pescar. Conviveu diariamente com trabalhadoras marítimas que aprenderam a atividade de duas formas principais. Com o pai, quando ainda eram crianças e tinham idade entre oito e onze anos, ou quando se apaixonaram por pescadores. Segundo depoimentos, a permanência decorre do amor, vício e paixão pelo mar.
Agora, Rose pretende que sua pesquisa contribua para a formulação de políticas públicas voltadas às pescadoras. A seguir, confira a entrevista sobre o ambiente e o cotidiano vivenciado durante a elaboração do projeto “Mulheres e o Mar”.
A principal meta desta iniciativa apoiada pelo INCT é colaborar com a formulação de políticas públicas? Existem outras metas envolvidas no conceito da produção?
Rose: Sim, eu diria que o propósito central foi sendo construindo no decorrer do trabalho de pesquisa. Ele constitui em colaborar com a formulação futura de políticas públicas voltadas à pesca. Do ponto de vista das instituições envolvidas neste processo, não posso dizer que já vislumbro qualquer perspectiva palpável. Por outro lado, ao entregar a cópia do terceiro capítulo e do documentário que produzi para cada pescadora, ouvi comentários como: ‘vou guardar bem isso aqui, pois vai servir de prova para quando eu for me aposentar’; ‘vou levar para o médico ver. Pode ser que assim ele acredite que sou pescadora’. Se uma política pública surge da demanda do público que lhe é afeto, acredito que as pescadoras, ao utilizarem minha tese para “compor provas”, estariam se munindo de argumentos que poderão vir a contribuir com a formulação de políticas públicas que lhes atendam em seus direitos. Em relação a outras metas, eu diria que foi provocar nas próprias pescadoras o pertencimento a um grupo de profissionais. Em relação aos órgãos, como colônias de pesca e federação de pescadores, foi mostrar que existem sim mulheres pescadoras, sejam as que atuam em terra, sejam embarcadas.
Como foi a logística e a metodologia aplicadas nos 13 meses de trabalho?
Rose: Meu trabalho de campo ocorreu em três períodos: de setembro de 2010 a fevereiro de 2011; de março a setembro de 2011 e junho e julho de 2012. Para chegar aos locais, eu fui de muitos modos, carro próprio, carona, balsa, ônibus, enfim, dependia das condições das quais dispunha naquele momento. Em termos metodológicos, eu propus o que denominei de ‘exercício da sombra’, ou seja, acompanhei exaustiva e repetidamente o dia-a-dia das pescadoras, seguindo a sua rotina. Quando estavam em terra, eu estava junto indo a mercado, fazendo atividades da casa, como comida, lavação de roupa e louça, limpando e escolhendo peixe, indo a cultos religiosos, postos de saúde, encontros familiares. Quando embarcavam, ia junto. Teve momentos que ficava direto, dormindo e passando os dias. Porém, reservei um tempo para ficar sozinha e dar uma folga da minha presença constante a elas também. Para tanto, alugava quarto de hotel ou pousada que tivesse próximo. Escutei as pescadoras, filhos e filhas, maridos, vizinhos, dependendo da situação.
Como você definiria as 22 pescadoras entrevistadas?
Rose: Eu não consegui me privar de construir uma visão sobre elas de força e disposição para com a vida à medida que as conhecia e não conseguiria defini-las com poucas palavras. São mulheres obstinadas, que parecem incansáveis. Não medem esforços para fazer o que tem que ser feito. Não gastam muito tempo se lamuriando com as dificuldades. Construíram trajetórias, corpos e vidas onde, desde muito cedo, aos sete, oito, nove anos de idade tiveram que aprender a ser fortes, corajosas, valentes, guerreiras e trabalhar como um homem. São mulheres para as quais não se perguntou se gostariam de entrar na pesca. Era preciso. Elas lá estavam. E entraram. De modo geral, fazem jus a como são chamadas em suas comunidades, “guerreiras”. Mesmo quando convivem com perdas, dificuldades, situações extremamente difíceis, conseguem reagir de forma positiva, disposta e acreditando que tudo vai melhorar.
A falta de reconhecimento é a principal questão negativa do cotidiano das pescadoras?
Rose: Eu diria que, pelo lado humano destas pescadoras, o pior sentimento é o de ser tratada como um ser que não merece reconhecimento, um ser invisível perante os trâmites do Estado. Por exemplo, quando vai a um posto do INSS e um técnico não ‘escuta’ quando ela diz que é pescadora ou quando perde seu marido no mar e esta perda não é imediatamente reconhecida, levando a uma espera que, geralmente, compõem alguns anos sem assistência e sem o reconhecimento de que é viúva já que o corpo, que seria a prova, continua desaparecido. A meu ver, a condição de Segurado Especial (SE), deve ser rediscutida no sentido de ter-se claro que abriga pescadoras e pescadores em decorrência das especificidades de atividades exercidas em situações distintas de trabalhadores urbanos, como horário e exposição constante às intempéries, à periculosidade e ao desgaste físico precoce. Isso porque, durante o trabalho de campo, a fala de técnicos do INSS emergia revelando uma visão segundo a qual esta classificação - especial - se daria por se tratar de trabalhadores ou seres menores, ou seja, menos sujeitos. No entanto, não basta só disponibilizar subsídios. É central qualificar os técnicos de instituições públicas que atuam com públicos ditos diferenciados, para que compreendam estas especificidades construindo um atendimento mais humanizado.
Quais são as tarefas desempenhadas pelas pescadoras embarcadas?
Rose: Na pesca embarcada que acompanhei, não existe pescadora que faz o trabalho “do homem”. Existe trabalho a ser feito e fazem juntos. Ambos são pescadores. Enquanto ele puxa um lado da rede, ela puxa o outro. Enquanto ele guia a embarcação, ela seleciona o pescado. Enquanto ele remenda um lado da rede, ela remenda o outro. Enquanto ele carrega uma caixa de gelo, ela carrega a de peixe. O trabalho da pesca é “predominantemente masculino” do ponto de vista de nossa sociedade que classifica as profissões, mas na prática a atividade da pesca é feita por homens e mulheres.
O que é necessário para comprovar que uma mulher é uma pescadora?
Rose: A exigência de provas do INSS feita às pescadoras mostra que ainda se atua com uma visão que liga a mulher ao homem. Não se exige que um homem, para provar que é pescador, seja casado com uma pescadora, por exemplo. Eu encontrei em campo, mulheres que são elas as pescadoras ou que vivem com um companheiro ou com uma companheira sem serem ‘oficialmente’ casados. As provas que elas precisam compor passam por provar que são filhas ou mulher de pescador, que vivem em economia familiar, pagamento de colônia de pesca sendo que pagar a colônia não quer dizer exercer a profissão -, entre outras. Das 22, cinco já passaram pelo processo de aposentadoria e conseguiram provar que são pescadoras enquanto as outras ainda não alcançaram a idade para solicitar o beneficio. Uma está em processo de tentar a aposentadoria por invalidez devido a sérios problemas físicos advindos da atividade e está encontrando dificuldade, não só em relação à finalização do processo, mas ao despreparo dos médicos em lidar com profissionais mulheres da pesca.
Na sua visão, o que falta para o reconhecimento da profissão pescadora no Brasil?
Rose: Acredito que falta considerar que todo o trabalho atribuído às mulheres, como limpeza, evisceração, descasque, embalagem, transformação – afora as embarcadas, que causam surpresa e descrença sobre sua existência – ser considerado efetivamente como pesca, e não uma obrigação de mulher de pescador. Ainda é forte a visão segundo a qual quem atua na pesca e, principalmente, quem embarca é homem. Urge, portanto, rever o conceito que preconiza que pesca é retirar o peixe do mar e quem a faz, por definição, nos dicionários de Língua Portuguesa, um ser masculino singular, pescador. A pesca é, envolve e implica muito mais do que isso. Incluí trabalhadoras que, tanto quanto os homens são profissionais da pesca. Portanto, tem o direito ao reconhecimento como pescadoras.
Coordenação de Comunicação Social do CNPq
Navegue pelo mapa do Portal
- Geral
- Acesso à Informação
- Institucional
- Organograma
- Competências
- Base Jurídica
- Conselho Deliberativo
- Agenda de autoridades
- Diretoria Executiva
- Comitês de Assessoramento
- Comissão de Integridade
- Quem é quem
- Propriedade Intelectual
- Normas
- Comissão de Ética Pública
- Gestão de Documentos
- História
- Servidores
- Estatísticas e Indicadores
- Horário de atendimento
- Organograma
- Bolsas e Auxílios
- Programas
- Prêmios
- Popularização da Ciência
- Comunicação
- Parcerias
- Estudantes
- Pesquisadores
- Universidades
- Empresas